A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE INFÂNCIA E DE EDUCAÇÃO INFANTIL
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As concepções de
infância vêm sendo construídas e modificadas durante a história, sendo possível
constatar que nem sempre existiu um sentimento especifico relacionado à
infância. De acordo FARIA (1997), que aborda o assunto com base nos estudos de
Áries (...), durante a Idade Média não havia distinção entre os adultos e as
crianças, sendo a criança considerada um adulto em miniatura. Por não
haver essa diferenciação, as crianças realizavam as mesmas tarefas e vestiam-se
da mesma forma que os adultos, sem que houvesse uma preocupação especial com a
infância. A educação das crianças não era de responsabilidade de suas famílias.
Aos sete anos de idade, as crianças eram afastadas de seus pais e iam morar com
outras famílias. Nessas famílias, as crianças recebiam educação profissional
prática, na condição de aprendizes. Nessa fase da história, os limites entre infância e adolescência eram incertos
e mal percebidos, pois as crianças andavam misturadas com os adultos, participando
das atividades da vida cotidiana junto com estes.
No século XVI, inicia-se uma nova forma de olhar para
a criança. Nessa época, o sentimento de infância era de que a
criança era uma coisa “engraçadinha”, uma espécie de ser “exótico” e angelical.
A criança nobre
passa a ser vista como a alegria da família e a ser valorizada e começa a ser
construído o sentimento de perda em relação às crianças, sendo guardados os retratos
daquelas que morriam cedo e a ter uma maior preocupação com os cuidados
relativos à criança.
A partir do século XVII, com base no pensamento
moralista, a criança deixou de ser vista apenas como a diversão da família,
pois o tratamento de paparicação dado a elas passou a ser considerado
prejudicial. Nesse
momento, o sentimento de infância corresponde a duas atitudes antagônicas: uma
considera a criança ingênua e graciosa; e a outra, se contrapõe a esta,
tornando a criança um ser um incompleto, que necessita da moralização. Inicia-se então outro modelo de educação: a aprendizagem, que
antes se dava a partir da convivência que as crianças tinham com os adultos no
contato com as tarefas cotidianas, foi substituída pela aprendizagem teórica,
nas escolas. Essa substituição da educação prática pela teórica gerou nos pais
uma preocupação em vigiar seus filhos e de não mais deixá-los sob os cuidados
de outra família, trazendo uma maior aproximação entre os membros da família
que passam a se organizar em torno da educação das crianças.

Uma
prática muito utilizada pela educação moralizadora durante este período era o
castigo corporal. Os castigos tornaram-se comuns, sendo utilizados pelos
professores e pelas famílias, e tinham sua aplicação baseada na ideologia que
considerava que a criança tinha uma natureza frágil.
“A concepção
de natureza frágil da criança era compartilhada pela pedagogia ‘‘tradicional’’,
que considerava a natureza dos garotos originariamente corrompida, cabendo à
educação disciplinar e inculcar regras através da ação direta do adulto e da
permanente transmissão de modelos. Isso refletia a ideologia da época:
moralização e enquadramento da criança.” (FARIA, 1997, p. 13)
Até
o século XVII, as vestimentas das crianças eram cópias fiéis da de um adulto.
Essa situação começa a mudar, e representa um marco importante na constituição
do sentimento de infância. A criança passa a ter um traje especifico à sua
idade, que a distinguia dos adultos. A criação de trajes específicos para as crianças e a
introdução dos castigos corporais são marcos que representam o inicio da
infância. De acordo com FARIA (1997, p.14) “o
vestuário e o chicote foram os primeiros instrumentos de separação das crianças
dos adultos nas classes aristocráticas, marcando assim o reconhecimento da
infância da classe dominante”. Vale ressaltar que as mudanças ocorridas
referem-se às crianças da burguesia. As crianças pobres não foram alcançadas
com essas mudanças e continuaram nas mesmas condições, sem ter um tratamento
específico a sua idade.
Por um longo
período da história, não houve nenhuma instituição responsável por compartilhar
a responsabilidade de educar e cuidar pela criança com seus pais e com a
comunidade da qual faziam parte. O conceito de Educação Infantil,
intrinsecamente ligado ao conceito de infância, vai se delineando e assumindo
papeis que visam contemplar as necessidades de determinada sociedade em dado
tempo histórico.
OLIVEIRA (2002) afirma que as instituições de educação infantil nasceram
no século XVIII, em resposta à situação de pobreza, abandono e maus-tratos das
crianças pequenas, cujos pais trabalhavam em fábricas, fundições e minas no
contexto da Revolução Industrial que acontecia na Europa. Durante este
século, a Educação Infantil foi marcada por ter um caráter tão somente
assistencialista, num cenário de conflitos, onde as crianças eram vítimas de
pobreza, abandono e maus-tratos, acarretando grande índice de mortalidade.
ABRAMOVAY
e KRAMER (1985) nos mostram que, no final do século XIX as creches começam a se
preocupar com a educação, ultrapassando a função de apenas compensar as
carências familiares das crianças. Nesse contexto, são criados, por exemplo, o
Jardim da infância, por Froebel em 1873, na Alemanha; a Casa das crianças por
Maria Montessori, que trabalhou com crianças pobres da Itália, e o trabalho de
Reabody nos EUA. Essas instituições
preocupavam-se com a educação, contudo, tinham forte preocupação em compensar
as ausências familiares das crianças.
Até
meados do século XIX, o atendimento de crianças em instituições como creches
praticamente não existia no Brasil. No Brasil escravista, a educação das
crianças negras e brancas era diferenciada.
As crianças negras eram incorporadas ao trabalho da mãe. Dos seis aos
doze anos, desempenhavam tarefas auxiliares, e a partir do doze anos já eram
consideradas adultas. Para os meninos brancos, a partir dos seis anos,
iniciava-se o estudo de gramática, latim e boas maneiras. Quando completavam
sete anos, os meninos passavam a ser considerados adultos e a se vestir como
tal.
Como afirma FARIA (1997), a educação infantil no Brasil tem seu inicio
marcado pela idéia de assistencialismo às crianças necessitadas. As
instituições tinham como objetivo diminuir a mortalidade infantil e o
atendimento ás crianças abandonadas.
As
ações voltadas para a infância no Brasil durante os séculos XVIII e XIX assumem
um caráter higienista. A sociedade da época atribuía o grande número de mortes
de crianças aos nascimentos ilegítimos (frutos da união entre escravos ou entre
escravas e senhores) e à falta de educação moral, física, e intelectual das
mães. Essas preocupações levaram ao
inicio do movimento higienista, movimento este que criticou veementemente o uso
da roda e das amas de leite.
Nesse período da
história existiu a chamada Casa dos Expostos, instituição mais conhecida como
“Roda”. Esse nome deve-se ao dispositivo que havia na porta, onde eram deixadas
as crianças não desejadas. Geralmente a roda era utilizada para deixar os
filhos das escravas que exerciam algum tipo de trabalho em que não era possível
associá-lo aos cuidados com o filho, como por exemplo, o trabalho como ama de
leite.
Os
médicos higienistas preocupavam-se com o uso das amas de leite e apresentavam
como opção o uso de mamadeiras, pois ao usar a mamadeira a própria mãe estaria
cuidando de seus filhos.
No inicio do século
XX, surge então a necessidade de que as escravas ou ex-escravas assumissem os
cuidados com a casa para que as mulheres pudessem cuidar de seus filhos. Nesse
contexto, são criadas as primeiras creches brasileiras com o objetivo de cuidar
dos filhos das trabalhadoras domésticas.
A
partir de marcos históricos como o fim da escravidão e a Proclamação da
República, o Brasil começa a se inserir no modo capitalista de organização da
sociedade, produzindo também outro modo de conceber a infância, de acordo com
na ideologia capitalista dominante na Europa. Com a consolidação do modo
capitalista de produção e organização social, a criança passa a ser vista como
alguém que precisa ser preparada para o mercado de trabalho. Há ainda uma
preocupação da classe dominante em difundir a ideologia de que todas as
crianças têm os mesmos direitos, visando assim a formação do pensamento
hegemônico.
“Para encobrir
as contradições da sociedade capitalista, a ideologia dominante reproduz a
crença num modelo único e abstrato de infância – da criança burguesa – daquela
que vai ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura, como se
todas as crianças tivessem acesso às mesmas condições de vida e de ensino.” (FARIA,
1997, p17)
A educação é
claramente caracterizada de acordo com a classe social a que essa criança
pertence: às crianças da classe trabalhadora foi destinada uma escolarização
denominada primária, com pouco tempo de duração e com o objetivo de preparar a
mão de obra para o mercado de trabalho; aos filhos da burguesia, havia a
possibilidade de ingresso no secundário, que era um ciclo de escolaridade mais
longo, que precedia a Universidade. A escola passa a ser um instrumento de
fragmentação da sociedade, onde apenas os mais ricos têm condições de seguir
nos estudos e de se apropriar dos conhecimentos historicamente produzidos.
KRAMER (1992) comenta que a década de 30 é marcada por modificações
políticas, econômicas e sociais ocorridas no cenário nacional, mudanças essas
que acarretaram mudanças na configuração
de instituições voltadas à educação e à saúde. Em 1937, é Getúlio Vargas
implanta o Estado Novo e a educação passa a se encarada como um instrumento que
poderia garantir às novas gerações uma formação de acordo com os valores e
normas preconizados pelo ideário daquela época.
Até a década de 1950, as poucas
creches que existiam eram de responsabilidade de entidades filantrópicas
laicas. O trabalho com as crianças nas creches tinha um caráter assistencial e
toda preocupação da instituição de baseava em alimentar e cuidar da higiene e
da segurança física das crianças. (KRAMER, 1992)
No contexto pós-segunda Guerra mundial, surge a preocupação com a
situação social da infância e a idéia da criança como portadora de direitos. A
promulgação em 1959, da Declaração dos Direitos da Criança é um fator
importante para a concepção de infância como sujeito de direitos.
Como afirma SOUZA (1996), com a aprovação da a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, em 1961, a
perspectiva acerca da educação infantil é aprofundada, incluindo-a no sistema de ensino como pode
ser observado no que dispunha os artigos 23 e 24 desta a Lei:
“Art. 23.
A educação pré-primária destina-se aos menores de até 7
anos, e será ministrado em escolas maternais ou jardins-de-infância. Art. 24.
As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão
estimulados a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com
os poderes públicos, instituições de educação pré-primária.” (Trechos da Lei nº 4024/61)
Na década de 1970, a educação infantil
no Brasil no país passou a ser considerada a solução para compensar as
deficiências educacionais, culturais da população. Essa supervalorização ocorre baseada na
teoria da privação cultural, que, de acordo com SOARES (2008), chega ao Brasil
durante esta década e passa direcionar por muito tempo a Educação Infantil,
enraizando uma visão assistencialista e compensatória. Essa teoria deu embasamento
para a educação compensatória, cujo objetivo era a inserção das crianças das
classes populares o mais cedo possível no ambiente escolar. De acordo com a
teoria, estando na escola, essas crianças seriam retiradas do contexto familiar
empobrecedor, e receberiam estímulos similares aos que as crianças da classe
média recebem no ambiente social em que vivem tendo suas carências compensadas
através da educação.
Com a Lei 5692/71, a educação básica foi prolongada
de 4 para 8 anos de duração, passando o ensino de 1º grau, dirigido às crianças
de 7 a 14
anos, a ser obrigatório em todo o estado Nacional, (KRAMER ,2002).
“Os sistemas
de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam
conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições
equivalentes.” (Lei 5692/71, artigo. 19- § 2º)
Embora a Lei 5692/71, apresente esse parágrafo sobre a educação
infantil, este se apresenta de maneira genérica, e não se torna um estimulo
para a expansão desse nível de ensino pelos organismos públicos, ficando sua
prática restrita a algumas poucas escolas dos grandes centos urbanos do país.
Em 1977 é criado um programa de
educação Pré - Escolar de massa, intitulado Projeto Casulo, com o objetivo de
preparar as crianças para a escolarização futura. “Sua tônica centrou-se no
atendimento às carências nutricionais e recreativas das crianças” e em cuidar
crianças para que as mães pudessem ingressar no mercado de trabalho. (FARIA, 1997)
Na década de 1980, a educação
pré-escolar é marcada por problemas como: “a ausência de uma política global e
integrada e a falta de coordenação entre programas educacionais e de saúde, a
predominância do enfoque preparatório para o primeiro grau, a insuficiência de
pessoal docente qualificado, a escassez de programas inovadores e a
predominância de programas escolares sem o envolvimento das famílias e da
comunidade”. (FARIA 1997). Essa conjuntura serviu de base para a elaboração do
documento “III Plano Setorial de Educação, documento este que tratou a educação pré-escolar:
“O documento aborda e educação pré-escolar em três
momentos. No primeiro, sugere medidas que devem ser efetivadas em áreas
‘carentes’. No segundo diz que a educação pré-escolar deve ter uma perspectiva
de ação preventiva. E no último momento, afirma que a educação pré-escolar deve
ser prioridade nas regiões nordeste e sudeste por sua influencia decisiva no
primeiro grau.” (FARIA 1997, p. 32).
A década de 80 trouxe ainda
outros marcos importantes para a historia da educação infantil no nosso país,
como o II Congresso Brasileiro de Educação Pré-Escolar, que teve como temática
central a criança como cidadã e suas
necessidades enquanto tal. Em 1988, a Constituição
reconhece no artigo 208, inciso IV, a educação em creches e pré-escolas como um
direito da criança de zero a seis anos, que deve ser garantido pelo Estado como
parte da educação básica. Pela primeira vez, a Constituição explicita a
educação de zero a seis anos de idade, como sendo um dos deveres do Estado.
“O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de (...) atendimento em creche e pré-escolas às crianças de
zero a seis anos de idade. (Constituição Federal, 1988, artigo 2008, inciso IV)
Em 1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.969/90) reafirmando e enfatizando o atendimento em creches e pré-escolas como
parte dos direitos da criança. Com base na legislação acima mencionada, é
possível afirmar que tanto a Constituição
Federal de 1988 quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente
consideram as crianças brasileiras como sujeitos de direito, e a educação infantil em creches e pré-escolas como
um direito que deve ser garantido pelo Estado.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a lei nº 9394/96, de 20 de
dezembro de 1996, nos artigos nos artigos 29 e 30, trata sobre a Educação
infantil, considerando-a como primeira etapa da educação básica:
“A educação
infantil, primeira etapa da educação básica tem por finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade.
A educação infantil será oferecida:
I.
em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de
idade;
II.
em pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade.”
(Lei nº 9394/96 artigos 29 e 30)
Para BARBOSA (2002), a LDB de 1996 busca romper com a separação entre
instituições educativas e de cuidado, visando criar um novo modelo, onde o
educar e o cuidar se tornem responsabilidade das instituições de educação
infantil.
BIBLIOGRAFIA:
CUSTÓDIO, Paula. Avaliação na Educação Infantil : A perspectiva da Creche UFF. Trabalho de Conclusão de Curso (Pedagogia) – Universidade Federal Fluminense - Niterói, 2011.